Henri Gougaud
Yacoub
era pobre, mas despreocupado e feliz, livre como um saltimbanco, sonhando
sempre cada vez mais alto. Em boa verdade, estava apaixonado pelo mundo. Porém,
o mundo à sua volta parecia-lhe sombrio, brutal, seco de coração, de alma
obscura, e ele sofria com isso. «Como», perguntava-se, «fazer com que seja
melhor? Como trazer à bondade estes tristes que vão e vêm sem olharem para os
seus semelhantes?» Ruminava estas perguntas pelas ruas de Praga, a sua cidade,
vagueando e saudando as pessoas que, no entanto, não lhe respondiam.
Ora, uma
manhã, quando atravessava uma praça cheia de sol, teve uma ideia. «E se lhes
contasse histórias?», pensou. «Assim, eu, que conheço o sabor do amor e da
beleza, ajudá-los‑ia certamente a encontrar a felicidade.» Pôs-se em cima de um
banco e começou a falar. Os velhos, as mulheres e as crianças, admirados,
pararam um momento a ouvi-lo, mas depois viraram-lhe as costas e prosseguiram o
seu caminho.
Yacoub,
achando que não podia mudar o mundo num dia, não perdeu a coragem. No dia
seguinte voltou àquele mesmo lugar, e de novo lançou ao vento, com voz forte,
as mais comoventes palavras. Outras pessoas pararam para o ouvir, mas em número
menor do que na véspera. Alguns riram-se dele. Houve mesmo quem lhe chamasse
louco, mas não quis prestar atenção. «As palavras que semeio germinarão.»,
pensou. «Um dia entrarão nos espíritos e acordá-los-ão. Tenho de falar, falar
mais ainda.»
Teimou,
pois, e dia após dia voltou à grande praça de Praga para falar ao mundo, contar
maravilhas, oferecer aos seus semelhantes o amor que sentia. Todavia, os
curiosos tornaram-se cada vez mais raros, desapareceram quase todos e, em
breve, apenas falava para as nuvens, o vento e as silhuetas apressadas, que já
só lhe lançavam uma olhadela de espanto à medida que passavam. No entanto, não
desistiu.
Descobriu
que não sabia nem desejava fazer outra coisa que não fosse contar as suas
histórias, mesmo que estas não interessassem a ninguém. Começou a dizê-las de
olhos fechados, pela única felicidade de as ouvir, sem se preocupar em ser
ouvido. Sentiu-se bem e a partir dali só falava assim: de olhos fechados. As
pessoas, temendo relacionar-se com as suas extravagâncias, deixaram-no só, com
as suas histórias, e habituaram-se, assim que ouviam a sua voz lançada ao
vento, a evitar a esquina da praça onde Yacoub se encontrava.
Assim, os
anos foram passando. Ora, numa noite de Inverno, enquanto – sob um crepúsculo
indiferente – contava um conto prodigioso, sentiu que alguém o puxava por uma
manga. Abriu os olhos e viu uma criança, que, fazendo uma careta engraçada, lhe
disse, esticando-se nas pontas dos pés:
— Não vês que ninguém te ouve, nunca te ouviu e jamais te ouvirá? O que te levou a viveres assim a vida?
— Estava louco de amor pelos meus semelhantes — respondeu Yacoub. — Foi por isso que, no tempo em que ainda não eras nascido, me veio o desejo de os tornar felizes.
O miúdo
replicou:
— Pois bem, pobre louco, e eles são-no?
— Não —
disse Yacoub, abanando a cabeça.
— Por que razão teimas então? — perguntou ternamente a criança, tomada de repentina piedade.
Yacoub
reflectiu por instantes.
— Eu conto sempre, é claro, e contarei até morrer — disse. — Dantes, contava para mudar o mundo.
Calou-se; depois o seu olhar iluminou-se, e acrescentou:
— Hoje, conto para que o mundo não me mude, a mim.
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